A ilustração "Sacrifício ao Dragão de Água" foi publicada originalmente como Capa da revista PUBLISH #106 em 2010. Uma edição que comemorava o aniversário de 20 anos do Photoshop!
Esse meu making of figurou junto à outras matérias sobre o software. Na ocasião a revista me deu um bom espaço, mas não foi o suficiente. Então essa versão está maior e com GIFs bem legais! :D
Antes de começar a fazer a ilustração eu já tinha em mente que eu queria fazer um dragão de água. Sempre gostei de dragões e me pareceu um desafio bem interessante produzir um dragão de água como portfólio. Além disso, todo material pessoal que produzo sempre gero um passo-a-passo para inserir em cursos ou em minhas redes sociais.
Procurando algumas fotos num banco de imagens pra me inspirar e encontrar onde um dragão de água poderia se encaixar, achei a imagem da artista Elizabeth Mire (que é a fotógrafa e a modelo da imagem). Recortei a imagem, planejei a ilustração e mandei pra ela, perguntando se ela me permitiria usar para fins didáticos (Mesmo sendo imagens free, quando vou fazer uma arte pessoal, costumo enviar um email/direct pra quem fez. É uma chance de criar algo colaborativo e fazer umas amizades).
Pintando sobre foto Em meados de 2007, dentro do curso que ministrava de pintura digital, eu tinha um exercício que sempre considerei ótimo pra dar uma ampliada na percepção do artista: pegar uma foto qualquer e, com pintura, subtituir um objeto e pintar outro pro cima.
Evidente que com os recursos de photoshop retirar um objeto de uma cena é bem simples, basta recortar, colocar uma textura onde o objeto estava e pronto: a montagem fica fotorealista e limpa.
Mas essa não era a proposta do exercício. A idéia sempre foi treinar a percepçao. Olhando para uma foto, você consegue dizer qual cor permeia aquele ambiente? consegue criar essa cor sem usar artifícios de captura de matiz? Consegue pintar por cima do objeto, com um simples brush, e retirar o objeto dali e deixando o melhor possível?
Vendo o que eu fazia em sala de aula uma amiga, Andréia, perguntou pra mim "você consegue tirar essa câmera da minha foto?" (veja bem, 2007 não existiam câmeras frontais em celulares smarth e selfies como essas eram bem difíceis de fazer). Desafio aceito.
Naquela semana, em sala de aula, em vez de usar a imagem do curso e demonstrar para os alunos como se tira um objeto com pintura, usei a imagem da Andréia. Confesso que o resultado ficou melhor do que eu esperava (não sou muito bom de fazer ao vivo). Foi uma ótima aula e guardei o resultado. ( A imagem ficou aqui no meu backup por 15 anos, e, justamente por isso, antes de posta-la nesse artigo, eu pedi nova permissão de postagem para a Andréia).
Ter feito a pintura da Andréia me fez considerar: A criação de uma imagem que usasse todo o meu potencial deveria passar pela reconstrução de algo em cima da foto somente com pintura. Então alterei a modelo da foto.
As coisas que fiz foram:
1) Talvez a moça do sacrifício ficasse temerosa frente ao dragão. Então curvei o corpo dela. Pra isso recortei a foto, considerei a anatomia do pescoçõ e fiz alterações com pintura para que a torção passasse despercebida.
2) Troquei a posição das mãos. Fiz com que ela ficasse por baixo do busto, com o dedão preso no suvaco. Isso criaria um efeito "espartilho". Alterar a sensualidade da foto me pareceu, naquela época, algo de bom tom. Esse reposicionamento me daria chance de usar a pintura para arrumar toda a parte muscular do ombro e do seio, além de me exigir um controle de luz e sombra pra ficar com o tom igual ao da foto. Como exercício e demonstração de técnica, teve exito. Mas, sim, reconheço que foi puramente apelativo...
3) baseado na única parte da roupa que aparece na foto, fiz uma segunda parte, criando um vestido clássico branco.
Nota importante é que, hoje em dia, sempre que vou fazer alguma alteração em foto, eu dou uma rabiscada em cima. Eu uso dos recursos do photohsop, não usar seria loucura, mas olhar a foto como uma pintura, rasbiscar e entender o tom, antes da fusão final, deixa todo o processo muito mais claro e garante uma melhor qualidade.
Fusão de imagem com pintura
Bom, agora era hora de fazer o dragão. Uma mistura de dragão chinês, cabeça de dinossauro e guelrras de peixe. A luz da foto é um tanto difusa, mas da pra perceber que ela vem de cima pa baixo, da esquerda para direita. E foi assim que pintei a sombra do dragão.
Por mais que ele não esteja super realista, na verdade, está com bastante "cara de pintura", a luz e a proporção estão corretas e sem isso o passo anterior não seria possível.
Aqui vai meu truque de fusão: Fundo preto vira transparente e cor branca vira brilho se vc usar o modo "screen" do layer de photoshop. Sabendo disso peguei algumas fotos no bando de imagens cuja transformação em Tons de cinza revelasse a parte INTERNA do fluxo de água como preto, ou seja, transparente.
Dessa forma colocar um tubo de água real num layer screen por cima da pintura iria agregar reflexos realistas à pintura que ja estava com a iluminação correta. Foi uma fusão muito FÁCIL de fazer - uma vez que tudo havia sido panejado para dar certo! Se fosse qualquer pintura, com qualquer tipo de foto, fatalmente o resultado seria errado. Eu jamais faria uma pintura sem a luz e sombra correta, e não pegaria imagens sem saber o PROPÓSITO delas.
Alguns artistas de fusão de imagens saem pegando fotos aleatoriamente, baseados em sua beleza, e não se questionam do porquê delas. Então essa é uma segunda dica: Se não há um prpoósito por tras daquela imagem na fusão, não vale usá-la só porque é bonita. Ela pode atrapalhar o processo.
A cabeça do dragão foi mais complicada. Haviam muitos detalhes a serem preenchidos e alguns detalhes mais contribuiam para deixar confuso do que para dar realismo ao resultado.
Então precisei dar uma segunda mão de pintura. Mesmo com a base pronta e com os brilhos em cima, criei um novo layer e pintei a luz e sombra no modelo do rosto, dando mais contraste, acertando algumas linhas de contorno e dando mais clareza visual ao modelo.
Repare que após a produção do efeito de água, tanto no corpo quanto no rosto eu peguei alguns "Splashs" de água e salpiquei sobre a imagem.
Organização e Composição
Por fim vou falar de algo que fiz no começo da imagem: a composição. Estruturar uma imagem, criar o fluxo de visualização dos elementos do quadro é algo que podemos fazer instintivamente. "se colocarmos aqui vai ficar mais legal" ou "se isso ficar aqui, fica meio confuso". Todos nós sabemos organizar as coisas.
No entando há uma ciência sobre o tema. E ela vem sendo estudada desde os gregos com a compoição aurea, passando pelos renascentistas com o foco de visão e as geometrias, chegando no mundo moderno com a Gestalt.
Quanto mais um artista estudar composição mais ele terá ferramentas pra sustentar sua criação. Novamente: todos sabemos organizar coisas. E todos podemos olhar pra um quadro e dizer "nossa, que bagunça, não estou entendendo nada". A questão é: porque algo parece organizado? porque algo parece caótico? qual fenômeno quimico e físico o nosso cérebro realiza quando olhamos pra algo? Quando você começa a entender essas respostas, organizar coisas fica mais divertido.
No caso, eu organizei esse quadro com duas vertentes da proporção Aurea. A divisão espacial e o campo focal. (em breve farei um texto apenas sobre esse assunto e colocarei aqui no blog. Até lá vale a pena vcs procurarem pelo episódio da DISNEY chamado "donald no país da matemática", lá explica proporção aurea de uma forma muito divertida!